Aspectos biopsicossociais da depressão infantil

Resumo: Este estudo exploratório teve como objetivo o aprofundamento do conhecimento acerca dos aspectos biopsicossociais de crianças com diagnóstico de depressão, com ênfase na estrutura e dinâmica familiar. Visou ainda à discussão sobre a importância da percepção do sofrimento infantil por parte dos pais, assim como seus engajamentos no tratamento. De um serviço escola de São Paulo foram estudados 21 prontuários de crianças com até 12 anos, ambos os sexos, com queixa de tristeza ou depressão. Após análise quanti-qualitativa e interpretação dos dados à luz da teoria psicanalítica, o sintoma apresentado pela criança foi identificado como representante do conflito pertinente à estrutura familiar, fortalecendo a ideia de que os fatores psicossociais têm significativa influência. Conclui-se que são grandes os prejuízos biopsicossociais da depressão na vida da criança, o que torna urgente tanto o tratamento, incluindo a escuta parental, como investimentos em políticas públicas e práticas educacionais preventivas, objetivando qualidade de vida.
Palavras-chave: Depressão Infantil; Desamparo; Transmissão Psíquica entre gerações.
 
Abstract:This exploratory study aimed to line the deepening of knowledge about the biopsychosocial aspects of children diagnosed with depression, with emphasis on the structure and dynamics family. Discussion about the importance of the perception of the child suffering on the part of parents, as well as their engagements in treatment. A service school were studied 21 records of children up to 12 years, both genders, with complaint of sadness or depression.After examining quanti-qualitative and interpretation in the light of psychoanalytic theory, the symptom presented by the child was identified as a representative of the conflict pertaining to family structure, reinforcing the idea that the psychosocial factors have a significant influence. Concluded that are large losses of biopsychosocial depression in a child’s life, what makes it urgent to both the treatment, including the parental listening, as investments in public policies and practices preventive education, aiming at a better quality of life.
Keywords: Childhood depression; helplessness; psychic transmission between generations.
 
Resumen: Este estúdio exploratório tuvo como objetivo la profundización del conocimiento de los aspectos biopsicosociales de niños con diagnóstico de depresión, com énfasis em la estructura y dinámica familiar. Miró la discusión sobre la importancia de la percepción Del sufrimiento infantil de parte de los padres, bien como su comprometimiento em el tratamiento. Se estudiaron 21 prontuarios de niños de hasta 12 años, de ambos sexos, quejosos de tristeza o depresión. Luego del análisis cuantitativo y cualitativo, interpretación de los datos a la luz de la teoria psicoanalítica, el síntoma presentado por el niño fue identificado como representante del conflicto pertinente a la estructura familiar, fortaleciendo la idea de que los factores psicosociales tienen significativa influencia. Se concluyó que son importantes lãs perdidas biopsicosociales de la depresión, lo que hace urgente tanto el tratamiento, incluyendo la escucha parental, como inversiones en políticas públicas y prácticas educacionales preventivas, objetivando calidad de vida.
Palabras clave: Depresión Infantil; Desampar; Transmisión psíquica entre generaciones.
 
Este artigo pretende discutir especificidades na estrutura e na dinâmica familiar nas quais crianças com diagnóstico de depressão infantil estão inseridas, dando destaque aos aspectos biopsicossociais destas crianças. A referida discussão objetiva contribuir para a melhoria da qualidade de vida na infância, tempo em que também se sofre com a depressão.
De modo geral, encontra-se com maior frequência estudos que tratem de depressão em adultos, limitando a propagação de informações a respeito da depressão infantil e aumentando consequentemente a relevância do tema aqui trabalhado. Além disso, pode-se notar o despreparo das famílias no que se diz respeito à percepção, diagnóstico e tratamento de crianças com este transtorno. A depressão em si, vem sendo discutida ao longo dos anos, porém especificamente no campo da infância surge como tema contemporâneo de grande importância.
Em dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (2009), a depressão atingia uma média de 450 milhões de pessoas e 20% das crianças e adolescentes apresentavam sintomas de depressão. Após seis anos a organização atualizou os dados e afirma que atualmente depressão e ansiedade atingem cerca de 600 milhões de pessoas, cerca de 10% da população mundial, representando um aumento de quase 50% entre os anos de 1990 e 2013 (OMS,2016). Sendo então considerada como uma epidemia silenciosa, que incide fortemente sobre a saúde pública.
Nos EUA 19 milhões de pessoas possuem diagnóstico de depressão, sendo esta a causa principal de incapacitação nas pessoas acima de cinco anos. Dos 19 milhões citados anteriormente, mais de 10% dos acometidos são crianças. Em 10 anos, os suicídios, intimamente ligados ao quadro, aumentaram cerca de 120% entre as idades de 10 e 14 anos (Kehl, 2003).
Segundo Razzouk, (2016) o Brasil já vem sentindo impactos referentes à perda de produtividade e aumento do número de afastamentos gerados a partir de um quadro depressivo, fazendo-se necessários aprimoramentos no que se diz respeito ao reconhecimento precoce da doença e ao tratamento adequado.
Tavares, et al., (2015), em um estudo a respeito do uso de medicamentos para doenças crônicas salienta uma menor prevalência no uso de medicamentos para tratamento de depressão, levantando uma importante questão no que diz respeito à estigmatização da doença, o que possivelmente decorre em menor adesão ao tratamento.
O tratamento de depressão deve ser priorizado com urgência, já que os prejuízos decorrentes são muito grandes, e vão desde um alto custo financeiro até a perda de relacionamentos, empregos e vidas (Abelha, 2014).
Os dados supracitados tornam evidente a necessidade da propagação de informações a respeito da depressão, como medida de prevenção e promoção de saúde. Embora existam inúmero estudos sobre a depressão, tais como os de Arfouilloux (1995), Bowlby (1998) e Tavares et al. (2015), são escassas as pesquisas que se propuseram a estudar os aspectos aqui pretendidos.
O ambiente da criança: Família e Escola.
A família é reconhecida sócio e historicamente como estrutura fundamental na vida do sujeito. De acordo com Barros (2010), a qualidade da maternagem nos primeiros anos de vida da criança é de extrema importância no que se diz respeito à saúde mental do sujeito em constituição. Segundo o psicanalista Donald Winnicott, uma mãe suficientemente boa possibilita o surgimento de um indivíduo saudável.
Verifica-se com freqüência tanto na literatura como na prática clínica a presença de antecedentes paternos e principalmente maternos com relação à depressão. Constitui-se então, um interjogo de projeções e introjeções entre pais e filhos o que muitas vezes decorre em sintoma na criança, sintoma este representativo da zona de mutualidade psíquica existente (Cohen &Marcelli, 2009).
Levando em conta, tanto o interjogo mencionado acima quanto a representatividade da família em termos de estruturação do sujeito infantil podemos compreender de forma clara a ideia apresentada por Yaegashi,Mainardes e Yaegashi (2011), quando afirmam que a separação conjugal é um fator estressante de difícil enfrentamento para as crianças, sobretudo quando ele evolui para um quadro de alienação parental.
De acordo com Fraga (2015), a família pode representar para a criança tanto fator de risco como fator protetivo dependendo da demanda que representa e da estrutura familiar que estabelece envolvendo o sujeito em questão.
Assim como os autores acima, Yoshida e Mito (2004) defendem a tese de que os sintomas infantis estão ligados à relação materna. Afirmam que, visando a garantia de amor, a criança admite para si o que está sendo projetado sobre ela, considerando como algo próprio a partir da identificação projetiva. Lacan (1969/1998), ao falar sobre transmissão psíquica discorre sobre a mesma idéia que, mais tarde, Yoshida e Mito (2004) retomam, admitindo então a ocorrência da projeção de um desejo sobre a criança, sendo este considerado impróprio e não anônimo.
De acordo com Antunes, Campos, Lima e Ferraz (2016) devido à proximidade e acompanhamento diário, os educadores costumam ser profissionais com melhor perceptividade no que diz respeito às alterações de comportamento que possam sinalizar uma doença por exemplo. Dessa forma pode-se concluir a importância de aperfeiçoamento destes profissionais para que possam realizar os encaminhamentos necessários a partir da percepção dos sintomas.
DEPRESSÃO: Sintomatologia
Do latim, DE – para baixo, PREME – pressionar. O termo depressão tem se expandido e sua aplicação abrange diversos aspectos.
Em “Luto e Melancolia” Freud (1917/1992) preocupa-se em definir e distinguir o funcionamento psíquico do individuo que apresenta luto ou melancolia. Dessa forma, faz uma aproximação entre os termos classificando-os como uma reação frente a uma perda. Ao definir o luto em si, está discorrendo sobre perdas, perdas estas que se referem a alguém ou a algo que esteja no lugar de certo alguém.
Na definição de melancolia, Freud (1917/1992) afirma que a reação ocorre frente a um objeto amado, focando que tal perda não necessariamente se deve a um falecimento, mas sim a um afastamento de seu objeto de amor. Para o autor, esta é uma perda da ordem do ideal, perda esta que remete ao narcisismo e a questão da ambiguidade.
Ao falar do luto, Freud (1917/1992) afirma ser este um processo não patológico, que acaba sendo superado no decorrer do tempo, se extinguindo. Além disso, sabe-se que é um procedimento inevitável e indispensável para o a elaboração de perdas.
Para o DSM-IV-TR (2002), a depressão pode ser diagnosticada de acordo com os episódios apresentados pelo sujeito. Para tanto, no capitulo que trata de transtornos de humor, há uma divisão da depressão em 4 subtipos: depressão maior, distimia, ciclotimia e transtornos bipolar.
Os tipos de depressão apresentados na Classificação de transtornos mentais e do comportamento, CID-10 (2007) estão subdivididos em um bloco denominado “Transtornos de Humor (afetivos)”, são eles: Transtorno afetivo bipolar, transtorno depressivo recorrente e transtornos persistentes do humor (afetivos). Neste bloco ainda se inserem os episódios depressivos e os episódios maníacos.
Embora seja conhecida a existência de distinções entre a depressão encontrado nos adultos em comparação à depressão infantil, não há classificação nosográfica própria para o transtorno infantil no CID-10. Sendo assim, segundo Trad (1994), os critérios utilizados para o diagnóstico de depressão são os mesmos em crianças, adolescentes e adultos, embora se saiba que estes pertencem a classes dessemelhantes.
A utilização de ambos os manuais, embora referência na área da saúde mental, não substitui o diagnóstico clinico resultante da escuta terapêutica e das percepções decorrentes das sessões realizadas.
Depressão Infantil
Existem algumas características elencadas pela literatura como comumente encontradas no diagnóstico de crianças com depressão tais como: desaceleração psicomotora e inibição motriz; rosto com pouca expressão, pouca mobilidade e pouco sorridente (Cohen & Marcelli, 2009).  Por outro lado, existem comportamentos próximos à quietude, sendo que algumas crianças podem apresentar-se comportadas demais, chegando até a submissão.
Além destes, comportamentos como agitação, perda de auto-estima, culpabilidade, dificuldade de pensar e manter atenção em algo, concentração, incapacidade de memorização, pode apresentar transtornos alimentares, perturbações no sono e idéias de morte ou suicídio também estão presentes nos quadros depressivos. No entanto, para caracterizar um episódio depressivo é preciso levar em consideração o tempo de permanência de pelo menos cinco dos sintomas simultâneos (Cohen &Marcelli, 2009).
A depressão, no caso das crianças, pode estar ligada a situações simplificadas que, porém não excluem a relação causal com a perda. São situações como o afastamento de colegas, a morte de um animal de estimação, mudanças de escola, classe, etc. (Cohen & Marcelli, 2009). Além disso, segundo Moll, Elias, Gomes, Silva e Santos (2014), a presença cada vez mais constante de bullying no ambiente escolar, proporcionando isolamento social e posterior quadro depressivo da criança.
Arfouilloux (1995) define a depressão infantil como uma dissimulação e ocultação dos rostos tristes. Quando se refere à dissimulação e a ocultação, quer salientar o quanto pais, educadores e familiares suavizam, disfarçam e fingem não perceber a tristeza e a depressão na criança.
Huttel, et al., (2011), salientam a necessidade de estudos mais específicos sobre o assunto, já que em sua pesquisa puderam perceber que a definição dada por profissionais de especialidades variadas no que toca a depressão infantil, embora corretas, diferenciavam-se muito, bem como as formas utilizadas para diagnóstico e tratamento. Com a mesma ideia a respeito da necessidade de mais estudos devido à dificuldade nos diagnóstico os autores Gomes Baron, Albornoz e Barbosa (2013), enfatizam também a necessidade de mais instrumentos, construídos, adaptados e validados para diagnóstico infantil já que há uma escassez neste aspecto.
De acordo com Arfouilloux (1995), a tristeza de um pai pode ser transmitida a um filho, o que obriga o pequeno a conviver com uma tristeza que não é propriamente sua e que corresponde a algo muito maior do que uma criança é capaz de suportar. Cerca de 13% das crianças que apresentam diagnóstico de depressão infantil, tem pais com o mesmo transtorno.
De acordo com Trad (1994), há três vezes mais chances de crianças com pais depressivos desenvolverem esta patologia. Embora o autor traga estes dados para a realidade, este faz questão de salientar que a presença da patologia em gerações anteriores não se apresenta como fator pré-determinante para a depressão na infância, por existirem outros fatores que sobredeterminam a doença.
A rapidez de intervenções frente a casos nos quais se pode identificar distúrbio na interação entre os pais e o bebê, é fator determinante para a possível não instalação de um quadro patológico, levando-se em conta a plasticidade do psiquismo infantil (Folino, 2008).
Folino (2008) enfatiza o fato de que a depressão materna não é predisposição ao transtorno na criança, afirmando que a depressão infantil é dependente de um conjunto de fatores, considerando que nos casos em que haja depressão da mãe concomitante a depressão infantil, acredita em uma falha no ambiente, que submeteu a criança diretamente à depressão materna.
De acordo com Lacan (1969/1998), em seu texto “Duas notas sobre criança”, o sintoma da criança pode representar os sintomas presentes na estrutura familiar. O autor traz o sintoma como representante de uma verdade do casal parental. Gomes (1998) chama atenção para a realização do psicodiagnóstico infantil que compreenda estudos sobre a dinâmica do casal, para que dessa forma seja possível verificar se o atendimento deve ser direcionado a criança ou ao casal, levando em consideração que a criança em muitos momentos aparece como porta-voz dos conflitos familiares.
Para Bowlby (1998), a base segura de uma criança é fornecida por seus pais. Dessa forma pode-se inferir a importância dos pais frente a suas participações no processo de tratamento de crianças diagnosticadas com depressão infantil.
Dessa forma, o tratamento para depressão infantil, deve contemplar a escuta não somente do sujeito infantil, mas de seus pais e responsáveis. Além disso, é necessário levar em conta a interação com a criança durante o tratamento, informando-a sobre o processo como um todo, fazendo com que se sinta importante e integrante do processo (Silva & Lacerda, 2014).
A sociedade atual e a questão do desamparo
Muitos autores estudados consideram a depressão como o “mal-estar” da contemporaneidade, afirmando ser a depressão o mal-estar mais insistente na contemporaneidade.
O mesmo autor afirma ainda, que este mal-estar ocorre quando o sujeito está ocupando um lugar de incompatibilidade entreas suas necessidades e as exigências sociais.
De acordo com Kehl (2003), a depressão atinge o sujeito, pois este não tolera o sofrimento que lhe foi causado por outrem como acidentes, perdas e abandonos.
Segundo Delouya (2002), o desamparo é o fator principal de articulação com a depressão. É em domínio deste, que o sujeito enfrenta uma busca acirrada por um continente de seus conteúdos.
Em “Inibição, sintoma e angústia” Freud (1926/1976), acredita que a partir do momento em que o indivíduo consegue sentir-se amado, conseqüentemente sente-se protegido. Dessa forma, perder este amor, assim como separar-se daquele que o protege é correspondente ao abandono e ao desamparo.
Em estudos anteriores os autores Guimaro, Steinman, Kernkraut, Santos e Lacerda (2013), discutem a decorrência de depressão diante de perdas diretamente ligadas a fenômenos e catástrofes naturais, enfatizando as experiências, as perdas familiares ocorridas e os consequentes traumas e danos psicológicos.
Freud (1926/1976), afirma ser o desamparo considerado fundamental, insuperável e atemporal devendo acompanhar o sujeito por toda uma vida.
MÉTODO
A pesquisa aqui apresentada teve caráter quanti-qualitativo visto que segundo Minayo (1994), a junção dos dados qualitativos e dos dados quantitativos não representam oposição e sim completude, já que abrangem realidades diferentes, porém de possível integração. No entanto, são pesquisas que mantém preocupações distintas.
Trata-se de uma pesquisa exploratória documental. Minayo (1994), afirma que todo processo de pesquisa tem inicio na fase exploratória, na qual dedica-se a perguntar inicialmente sobre o objeto determinado, as teorias adequadas, o método que melhor se encaixa e outras questões mais praticas para dar andamento a pesquisa. Vale ressaltar que os resultados não foram utilizados como levantamento estatístico, e sim, como forma de comparação, excluindo-se de possível generalização dos aspectos analisados.
Participantes
Quanto à amostra deste projeto, foi proposto inicialmente a utilização de 35 prontuários de pacientes que se submeteram ao processo de psicoterapia breve infantil (PBI) e/ou de psicodiagnóstico, porém após a triagem só se encaixaram no perfil procurado 21 prontuários.
Soma-se a isto o que apontam Cohen e Marcelli (2009), que o episódio depressivo na criança ocorre entre 5 e 6 anos a 11 e 12 anos. Por estes motivos optou-se por analisar os prontuários de pacientes de até 12 anos de idade, de ambos os sexos, com queixa inicial de tristeza ou depressão, do serviço escola de uma universidade particular do estado de São Paulo.
Procedimento de coleta de dados
Os procedimentos realizados para coleta de dados foram: 1. Encaminhamento de carta para o Comitê de Ética da Universidade; 2. Encaminhamento de carta de informação e termo de consentimento à Instituição; 3. Encaminhamento de carta para a coordenação do serviço-escola solicitando autorização para utilização dos prontuários; 4. Separação dos prontuários de acordo com os critérios de inclusão e exclusão; 5. Leitura atenta dos prontuários.
Procedimento de análise dos dados
Para a análise dos resultados, foi necessário primeiramente identificar os prontuários que fariam parte da amostra. Em seguida, após leituras sucessivas do material selecionado houve a criação de categorias a fim de facilitar a análise. Posteriormente fez-se a análise dos conteúdos encontrados, à luz da teoria psicanalítica.
Considerações Éticas
O presente projeto foi encaminhado à Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade (CEP/UPM nº1291/10/210 e CAAE nº 0099.0.272.00001-00) e a pesquisa teve inicio após sua aprovação.Foi solicitada a liberação da apresentação do termo de consentimento livre esclarecido, tendo em vista a prévia autorização dos sujeitos, a qual poderá ser comprovada pelo termo de consentimento assinado constante em seus prontuários, para utilização do material decorrente de seus atendimentos.
RESULTADOS
A presente pesquisa buscando aprofundar conhecimentos acerca das características biopsicossociais das crianças com Depressão Infantil, contou com a triagem de prontuários em que obteve-se 21 prontuários, que continham queixa inicial de tristeza e/ou depressão, além de estarem com o termo de consentimento livre e esclarecido devidamente assinados. Foi realizada, então, a leitura atenta dos prontuários e posterior categorização das informações relevantes ali presentes.
Os dados foram tabulados em função de doze variáveis. Inicialmente foram colhidas informações básicas como sexo; idade; escolaridade; ano de início, duração e modalidade do tratamento; desfecho e testes realizados durante o processo com o paciente. Posteriormente houve a categorização de informações referentes às características cognitivas, às características psicodinâmicas, às questões orgânicas associadas à queixa apresentadas pelo paciente e às características dos familiares da criança. Foram elencadas estas variáveis frente à possibilidade de estarem correlacionadas com o quadro sintomático da criança em questão.
Dessa forma, produziu-se gráficos comparativos e que visaram à ilustração dos principais resultados obtidos. Pode-se perceber uma predominância de atendimentos no ano de 2005 (24% da amostra total). Durante a triagem realizada com os prontuários do ano 2000 ao ano de 2010, pode-se perceber que alguns fatores externos foram citados como possíveis fatores desencadeantes de mudança no comportamento das crianças, como os ataques do PCC (facção criminosa) na cidade de São Paulo e o Tsunami que ocorreu na Indonésia. Com relação ao ano de 2005 os eventos ocorridos no cenário mundial de grandes proporções como a morte do Papa João Paulo II e o Furacão Katrina, não puderam ser relacionados com a queixa nos prontuários analisados.  
A maior parte dos pacientes triados é do sexo masculino e somam 57% dos prontuários analisados, com um total de 12 casos.  A idade predominante nos prontuários é de dez anos (19% da amostra total), característica esta, que vem contrastando com os dados de escolaridade dos pacientes, que indica predomínio na segunda série do ensino fundamental (29% da amostra total). Este fato pode estar correlacionado a questão sócio-econômica dos pacientes atendidos no serviço-escola da universidade, que é direcionado a comunidade da região e se caracteriza pelo oferecimento do atendimento gratuito, indicando a predominância de famílias desfavorecidas no fator sócio-econômico brasileiro.
A separação dos pais aparece como possível fator desencadeante dos sintomas com predominância nos prontuários analisados (22% da amostra total). Além disso, o falecimento de familiares próximos (14% da amostra total), o abandono (13% da amostra total) e a ausência paterna (11% da amostra total) foram variáveis que apareceram relacionadas à queixa de depressão na criança. Vide Figura 1.(inserir aqui figura 1)
Freud (1917/1992), em seu texto “Luto e Melancolia”, clarifica o fato de que tanto o luto, quanto a melancolia, representam reações ligadas à uma situação de perda, não necessariamente a uma situação de morte, mas de perda em si, perda do objeto de amor, fato este que englobaria tanto a separação conjugal dos pais do paciente, quanto o falecimento de familiares próximos, o abandono e a ausência paterna. Todos os fatores predominantes como possíveis desencadeantes dos sintomas são ligados fortemente pela questão da perda. Ainda de acordo com Freud (1917/1992), sabe-se que a dificuldade de elaborar perdas e lutos está intimamente ligada à depressão, o que poderia justificar os dados em questão.
Os casos atendidos pelo serviço escola com o perfil descrito anteriormente foram divididos em duas modalidades de atendimento e tiveram uma média de duração de 2,09 semestres. Os desfechos pré-determinados pela instituição dividem os prontuários em concluídos e encaminhados, porém observa-se que dentre os concluídos 29% da amostra total, são realmente concluídos e o restante esta dividido entre aqueles encaminhados para Psicoterapia Breve de Adultos (41%) e encaminhamentos externos (29%).
Com o objetivo de avaliar se o quadro sintomático dos pacientes estaria ligado ao rendimento escolar destes, foram coletados dados referentes às características cognitivas. Para fins de categorização os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles que apresentam queixas escolares (62% da amostra total) e aqueles que não apresentam queixas (38% da amostra total). Dentre os 62% dos pacientes que apresentam queixas escolares, encontramos a presença de desinteresse e desmotivação embora a maioria possua bom nível intelectual de acordo com os dados obtidos nos prontuários analisados. Além disso, em alguns prontuários há registros de reclamações dos professores relacionadas ao comportamento da criança.
Com intuito de avaliar o aspecto psicodinâmico dos pacientes, foram elencadas algumas características predominantes. A angústia (7,1%), a insegurança (6,3%) e a ideação suicida (4,5%) aparecem como características predominantes. Além disso, 66,1% da amostra apresenta características diversificadas como: necessidade de acolhimento e proteção; sentimentos de abandono e desamparo; baixa tolerância a frustração, retraimento e sentimentos ligados a separação dos pais (Vide Figura 2). (Inserir aqui figura 2)
Objetivando a verificação de características representativas que pudessem identificar a presença de transmissão psíquica, foram pesquisadas características dos familiares das crianças, características estas que por serem de extrema diversidade não puderam ser apresentadas em figuras.
Os testes realizados durante o processo de psicodiagnóstico e/ou de psicoterapia breve registrados nos prontuários analisados foram: Teste das Fábulas, DFH (Desenho da Figura Humana), Desenho família, Procedimento de Desenho-Estória, CAT (Teste de Apercepção Infantil), Raven (Matrizes Progressivas), TAT (Teste de Apercepção Temática), HTP (HouseTree Person), Hora Lúdica, Colúmbia (Escala de Maturidade Mental) e WISC III (Escala de Inteligência Wechsler para Crianças). Em 17% dos prontuários não houve aplicação de nenhum dos instrumentos de avaliação psicológica. O procedimento mais utilizado foi Hora Lúdica (24% da amostra total), seguida do Teste das Fábulas (19% da amostra total) e do HTP (12% da amostra total). Vide Figura 3 (inserir aqui figura 3)
Com o intuito de equiparar as informações referentes aos aspectos psicodinâmicos dos pacientes, realizou-se uma pesquisa quanto à presença ou ausência de aspectos orgânicos concomitantes com a presença do quadro sintomático apresentado. Cerca de 67% dos pacientes apresentaram algum aspecto orgânico concomitante a queixa inicial, os 33% restantes não apresentaram queixa orgânica que pudesse ser destacada durante os atendimentos. Dentre os 67% dos pacientes com queixas orgânicas, 35,7% apresentam enurese noturna e os outros 31,3% se dividem entre: anemia, dores de barriga, crises de vômito, encoprese noturna, dores no peito, anoxia, bronquite, labirintite, entre outros.
Para melhor avaliação da estrutura familiar dos pacientes analisados, produziu-se genetogramas de cada uma das famílias. Este estudo possibilitou uma visão mais aprofundada de algumas características predominantes, como o freqüenteuso de álcool e drogas pelos familiares próximos às crianças, além da constância de separações e perdas.
De acordo com Wendt e Crepaldi (2007), o genetograma tem como função detalhar a estrutura familiar ao longo das gerações, além dos movimentos emocionais associados à família analisada. Além disso, as mesmas autoras enfatizam que a utilização do genetograma mostrou-se adequada frente a estudos que dizem respeito à dinâmica e a estrutura familiar do paciente.
Em função da extensão e da riqueza do material obtido com as análises dos prontuários, que possibilitariam uma interessante discussão, optou-se por apresentar apenas 2 dos 21 genetogramas confeccionados, considerados bastante reveladores os resultados alcançados (vide Figura 4). (inserir aqui figura 4)
DISCUSSÃO
O estudo em questão objetivou inicialmente aprofundar o conhecimento acerca dos aspectos biopsicossociais das crianças com depressão infantil. Diante da revisão bibliográfica e da análise dos prontuários que compuseram a amostra, os aspectos biológicos, psíquicos e sociais associados à queixa de depressão puderam ser clarificados durante a pesquisa.
A questão biológica pôde ser analisada através da presença ou da ausência de sintomas orgânicos, no decorrer do processo psicoterápico, que pudessem estar relacionados com a queixa. Observa-se um alto índice de pacientes com queixas orgânicas e deve-se destacar a presença predominante da enurese noturna dentre estas queixas. A vertente psicológica foi trazida por meio de características psicodinâmicas apresentadas pelas crianças. A angústia e a insegurança aparecem como fatores predominantes, assim como a ideação suicida. Tais aspectos servem de alerta para que seja dada devida atenção à propagação do conhecimento objetivando a observação adequada da sintomatologia de depressão em crianças. Os fatores sociais aparecem representados por características apresentadas pelos familiares das crianças, características estas que fazem pensar na importante questão da transmissão psíquica que está relacionada à maioria dos casos.
Objetivou-se também com esta pesquisa, discutir a importância da percepção dos pais no diagnostico da Depressão Infantil (DI) e em seu tratamento. De acordo com os genetogramas fica clara a interferência da dinâmica familiar nas características psicodinâmicas dos pacientes e na sintomatologia destes. É temeroso pensar o quanto as separações conjugais têm influenciado no desenvolvimento infantil, já que o desfazer dos casamentos nos moldes tradicionais parece ser uma tendência na sociedade atual. O uso de álcool e de outras drogas por familiares dos pacientes está freqüentemente associado ao quadro sintomatológico. Além disso, nota-se predominância de falecimento e abandono sofrido pelos pacientes. Fica uma sugestão para futuras pesquisas no que se refere à importância de se avaliar se a criança encontra-se realmente deprimida ou se está em um processo de enfrentamento necessário de luto, que irá cessar com o tempo.
Observou-se em muitos momentos desta pesquisa, o fato de a criança ser portadora de um sintoma familiar, sendo porta voz de conflitos, tornando como ponto principal do estudo o questionamento dos sintomas DA criança como sendo resultantes de um interjogo de projeções e introjeções entre pais e criança. Fator importante a ser considerado no momento de se pensar acerca do encaminhamento adequado para o tratamento psicoterápico.
Muitos questionamentos surgiram com a análise dos prontuários e a formulação da discussão, questionamentos estes, que se revelam pertinentes para o início de novos estudos empíricos e qualitativos em Psicologia, como por exemplo, a presença predominante de enurese noturna associada à depressão, e as peculiaridades da estrutura e dinâmica familiar destas crianças. Assim, poder-se-á contribuir para o avanço científico nas áreas das ciências humanas e sociais.
 
REFERÊNCIAS
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Figura 1
Figura 2
 
Figura 3
Figura 4